Contos Sinistros - A marca de Yara

Descrição do post.

CONTOS SINISTROS

Lucknup

2/8/20253 min read

A Amazônia respirava.

Essa foi a primeira coisa que a Dra. Elena Marquez percebeu quando o barco de sua equipe cortou as águas escuras do Rio Negro. O ar estava pesado, não apenas com a umidade, mas com algo mais antigo, mais afiado—uma presença que pressionava a nuca dela como uma mão úmida. Ela havia vindo para encontrar seu irmão, Carlos, um biólogo que desaparecera seis meses antes enquanto estudava "tribos não contactadas". A última anotação em seu diário, escrita em português frenético, dizia: "Eles me avisaram para não ouvir os sussurros. Mas as árvores… elas falam. Elas estão com fome."

A vila de Boca da Sombra surgiu ao anoitecer, um aglomerado de cabanas esqueléticas erguidas sobre palafitas acima da água negra. Os moradores, os Ribeirinhos, observavam os estrangeiros com olhos como porcelana rachada. As crianças se escondiam atrás das mães, que seguravam facões. Um velho com o rosto semelhante a casca de árvore se aproximou, sua voz rouca. "Você veio pelo fantasma," ele disse. Você veio pelo fantasma.

Naquela noite, ao redor de uma fogueira que cuspia brasas no céu escuro como tinta, o ancião da vila contou a história de Yara, a Mãe das Raízes. "Ela dorme no ventre da floresta," ele sussurrou, "seu corpo entrelaçado nas árvores, sua voz no vento. Aqueles que tiram de sua terra… ela leva de volta. Devagar. Pedaço por pedaço." Ele apontou para o diário de Carlos, aberto em um desenho de um tronco de árvore retorcido com um rosto humano gritando em silêncio. A fogueira crepitou. Em algum lugar da selva, algo uivou—um som muito gutural, muito errado para ser um animal.

A primeira morte veio ao amanhecer.

Miguel, o fotógrafo da equipe, foi encontrado na beira do acampamento. Seu corpo estava enraizado em vinhas saindo de sua boca, olhos substituídos por orquídeas florescendo. Sua câmera estava por perto, cheia de fotos de uma figura sombria com chifres feitos de espinhos. "A marca de Yara," o ancião murmurou, fazendo o sinal da cruz. "Ela está provando seu medo."

O pânico se instalou. Os telefones via satélite morreram. As bússolas giravam descontroladamente. O rio desapareceu durante a noite, substituído por uma parede de samambaias espinhosas. A equipe de Elena tropeçou mais fundo no labirinto verde, sua pele formando bolhas com erupções que pulsavam como coisas vivas. Eles começaram a ouvir vozes—a voz de Carlos—chamando da escuridão. "Eu tentei te avisar, Lena. Agora nós somos parte da floresta."

No terceiro dia, apenas Elena e Tomás, o guia cínico, permaneciam. Eles encontraram o acampamento de Carlos: barracas destruídas, equipamentos enferrujados até virar pó. A última página do diário tinha uma única frase, repetida em sangue: "NÃO OLHE PARA CIMA." Acima deles, o dossel se contorcia. Corpos pendiam envoltos em musgo, seus rostos congelados em gritos silenciosos. Carlos estava entre eles, meio fundido com uma sumaúma, sua boca um O vazio.

"Você não deveria ter vindo," ele gorgolejou, a casca subindo por sua garganta. "Ela está nos seus pulmões agora."

Elena sentiu então—uma coceira sob as unhas, um sussurro em seu ouvido que não era uma voz, mas uma pressão, como raízes sondando seu crânio. Tomás gritou quando suas pernas se petrificaram, os dedos dos pés se enrolando em madeira retorcida. Ela correu, a floresta uivando atrás dela, até tropeçar em uma clareira.

Lá estava: o coração de Yara. Uma árvore colossal, seu tronco um mosaico de rostos—tribos, madeireiros, seu irmão. Todos presos em meio a um grito. O ar cheirava a decomposição e jasmim enjoativo. A visão de Elena embaçou. Seu sangue parecia seiva.

"Junte-se a nós," a árvore zumbiu. "Alimente-nos."

Elena enterrou o facão no tronco. Seiva negra escorreu, sibilando. A floresta gritou. Mas, ao cair, com as vinhas já se enrolando em seus tornozelos, ela riu. O diário ainda estava em sua mochila. As coordenadas. A prova.

Deixe que venham, ela pensou, enquanto a casca engolia seus lábios. Deixe que todos venham.

A Marca de Yara

Epílogo:

Um ano depois, um caminhante encontrou o diário de Elena perto de Manaus. A última anotação, escrita em uma caligrafia não totalmente humana, diz: "O verde faminto nunca morre. Ele espera. Ele cresce. E quando o vento sopra para o oeste, você nos ouvirá… sussurrando sob as folhas."

O caminhante jura que viu uma mulher naquela noite, observando das árvores—sua pele salpicada de líquen, seu cabelo um ninho de cobras. Ela sorriu com o rosto de Elena.